quarta-feira, 22 de julho de 2020




Opinião
[texto publicado no Diário de Aveiro no dia 08jul20]


As Bibliotecas [2]



PLATAFORMAcidades no Diário de Aveiro


Pompílio Souto (*)

Arquiteto; Urban Designer; ex-Docente Universitário




Em texto anterior referi-me a algumas renovadas Bibliotecas em Aveiro, sublinhando a bondade geral do que nos é disponibilizado, mas sugerindo a otimização do desempenho de uma delas e questionando a razoabilidade urbanística da outra. Hoje aprofundo o que então escrevi.


o que otimizar

1.
É positivo que, no caso das Bibliotecas montadas em Carrinhas, se regresse ao modelo criado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 1958 e se retomem os seus objetivos: "promover o gosto pela leitura e o nível cultural dos cidadãos, garantindo o livre acesso às estantes, o empréstimo domiciliário das publicações e a gratuitidade do serviço". (*1)

Só que a realidade é substancialmente diferente hoje, e muito mudou também nesta área específica.
.           Mudaram, quer o conceito de Biblioteca, quer o que aí se disponibiliza e promove, quer ainda os suportes e modos como isso acontece. Tudo para servir mais destinatários, também mais educados e mais cultos, e que agora, livremente exigem mais e melhor para as suas vidas.

Os propósitos enunciados pela Câmara respondem ao essencial destras mudanças. Temo, no entanto, que a prevista oferta de serviços administrativos nas Carrinhas, banalize o referente cultural e cívico que já foram e, temo, sobretudo, que se perca esta oportunidade para criar "a rede & os nós" de operacionalização necessários ao pleno sucesso da operação.

2.
Tal como em muitas outras coisas o que já temos não é pouco: – É muito! Está é isolado – menorizando-se ensimesmado ou consumindo-nos em redundâncias.
Precisamos da "rede & nós", de que nos fala CASTELLS (*2), que integre, articule e expanda o conjunto de entidades e iniciativas deste "Universo – Biblioteca", de que nos fala Borges e Eco (*3). E precisamos, também, de "dinamizadores" (entidades e profissionais) que felizmente temos e que nos levarão a todos, e à coisa, bem mais longe.

.           Não podemos é deixar nem as mesas, as estantes e os armários, nem os átrios, as salas e os salões, nem mesmo os quiosques e jardins, sem o Livro mas com o Nada ou a Tralha que o desacreditam, e a tudo e todos diminuem.
.           Sendo certo que a Câmara pode, a partir do que fez, fazer mais, a verdade é que se a relação da Universidade com a cidade e com os cidadãos pudesse ser mais próxima – agora nisto (e depois em muito mais) – todos ganhariam com isso.

Ganhariam, desde logo os cidadãos e as suas organizações de base, quer as recreativas, culturais ou desportivas, quer as profissionais, cooperativas ou cívicas, onde habitualmente essa relação não acontece, mas ganharia também a academia, quantas vezes distante destes contextos que também haveria de integrar.


o que questiono

1.
O modo, objeto e âmbito da Recuperação do Edifício Fernando Távora (na Praça da República), para nele reinstalar a Biblioteca Municipal e outros serviços, é, do meu ponto de vista, um erro grave, ao que acresce a perda de uma boa oportunidade, quer para concluir o que de bom o Projeto de Conjunto prevê, quer para otimizar ou reverter o que o Plano, do qual ele faz parte, estabelece.

2.
O que se fez foi tentar "repor" a "verdade arquitetónica" da bela peça de arquitetura que o Edifício Fernando Távora é, retirando-lhe apenas os painéis de vidro dum piso térreo que o projeto inicial não previa.
.           Mas este edifício é parte de um conjunto que persiste incoerente. Continua a faltar-lhe um outro previsto para junto do da ex-CGD.
.           Este conjunto de edifícios, mais o do BPI (a nascente) e a Esplanada (ao centro) sobre o "embasamento" onde temos o Café Ria, são a "fachada nascente" do Canal Central, no Plano de Távora para o Centro da Cidade de Aveiro (1962-67).

Planta do Projeto de Conjunto de F. Távora
Praça República | Conjunto Edificado | Esplanada (*4)
FALTA O EDIFÍCIO À ESQUERDA  _  JUNTO À C G D

3.
O Plano de Távora para o Centro da Cidade é mau. Assenta em pressupostos teóricos insuficientemente interiorizados; assume objetivos algo perversos e modos de intervenção, nalguns casos, devastadores.
"O Plano de Távora para Aveiro (…) insere-se neste ambiente de reflexão (…) próprio dos planos experimentais em Portugal, durante a década de 60. Tal Plano "tem como objetivo modernizar (…) um dos espaços centrais da cidade (…) e criar-lhe uma nova identidade" (*4), resume-se em investigação dedicada, indiretamente confirmando o que acima se diz.

Mas, a verdade é que muito do que temos hoje no Centro é parte disso e há aspetos do Plano que mereceriam reapreciação cuidada, nalguns casos até para serem de facto executados ou tidos como referente nisso.

4.
Fernando Távora é uma referência e mestre da arquitetura e do seu ensino em Portugal. Mas o pior que podíamos fazer-lhe era, branquear erros de início de carreira, omitir a humildada das aprendizagens em exercício que fez e – sobretudo – piorar-lhe o que projetou, construindo-o "à la carte".
.           Obviamente que nada disso retira bondade à reinstalação da Biblioteca, à atualização do respetivo conceito, e à criação de condições para que algumas das demais valências agora ali possam acontecer.
            [eu integraria a coisa numa outra "iniciática & projeto", mas disso falaremos mais tarde]

5.
O que verdadeiramente importa, agora, é que nem temos o conjunto edificado que Távora projetou, nem temos a Praça da República de que precisávamos – interiorizada, definida e "desventada", nem uma Esplanada sobre o Canal Central realmente utilizável e encimando um embasamento & plano fachada (o do Café Ria), limpo, consistente e unificador do conjunto edificado.


Maquetes do Projeto de Conjunto de Távora
Praça República | Conjunto Edificado | Esplanada  (*4)


Era importante que algo fosse feito para resolver tudo isto.
O Távora e a Cidade mereciam a coragem, a sabedoria e o investimento necessários.

(*1),       
(*2),        
(*3),       
(*4),        
Furtado, citado por Carlos Mendes (in DisMes-FA)

Texto da responsabilidade de (*) Pompílio Souto, Coordenador da PLATAFORMAcidades; grupo de reflexão cívica || NOTA: Veja outros textos desta série no Blogue Plataforma Cidades || Contacte-nos: plataformacidades.op@gmail.com 




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