quarta-feira, 30 de maio de 2007

DISPARATES


cuidemo-nos para que o céu não nos caia na cabeça


1)
"A suspensão das obras de construção dos 12 Km da Auto-estrada da Costa de Prata na zona de Estarreja, entre o nó de Angeja e o de Estarreja, provocou um sobre-custo de aproximadamente 250 milhões de euros" (*1).
Tal acréscimo equivale ao custo de construção de cerca de 2 000 fogos T3, que albergariam cerca de 7 000 pessoas, por exemplo.
Entretanto, se a tal sobre-custo adicionarmos, quer os acréscimos (públicos e privados) com gastos de combustível e com o menor tempo de vida das viaturas dos utilizadores do velho troço de estrada em serviço, quer os custos das perdas de tempo, riscos e acidentes ocorridos, poderemos perceber bem o quanto a todos nós custaram as irresponsabilidades, as mistificações e os populismos que estiveram na base de tal decisão.
A irresponsabilidade dos Ministros Valente de Oliveira e Manuela Ferreira Leite que decidiram pela dita suspensão; a mistificação montada por quem achava que a auto-estrada haveria de passar, sobre a Reserva Ecológica, num viaduto de Kilóóóómetros, a poente da linha do caminho-de-ferro – coisa feita pelos "Ambientalistas", por exemplo; o populismo do Eng.º José Matos (então Candidato e actual Presidente) da Câmara Municipal de Estarreja que queria levar uma auto-estrada à porta de cada um dos residentes na zona poente do Concelho (e Murtosa) onde os eleitores eram muitos... claro.

2)
O Porto de Aveiro é uma infra-estrutura importante para o País e importantíssima para a região. Nela são movimentadas quantidades enormes de mercadorias, para o que se utilizam (obviamente) barcos e (infelizmente, só) camiões. Estes circulam (durante todo o dia e grande parte da noite) num troço do IP5 contíguo à frente poente da Cidade de Aveiro – a 30 metros do Canal de S. Roque – atravessando, depois, algumas Marinhas de Sal (desactivadas) e o tecido urbano das Gafanhas, em Ílhavo.
Associado à expansão do Porto e à requalificação e valorização da Rede Ferroviária Nacional, "surgiu" (!) a necessidade de até ele levar um ramal que permitisse diminuir o referido trânsito rodoviário – que é muito mais caro, inseguro e poluente. Pensou-se em estabelece-lo na contiguidade do IP5, só que, entretanto, já aí havia sido enterrada uma conduta de Esgotos da SIMRIA, o que implicaria que tal "contiguidade" se fizesse 20 metros mais para poente, sobre as ditas Marinhas desactivadas.
Foi o fim da macacada. Desta feita não foi o tal Eng.º Matos, mas foram os mesmos "Ambientalistas" a sacar da ideia do "Viaduto" milagreiro, não sei se para salvar a "serradela" e a "cama da nidificação das arvéolas", ou se para inviabilizar a obra.
O viaduto vai custar – muito provavelmente (dado que, ao que parece, ao certo ninguém sabe, porque ninguém se importa muito com isso) – cerca de 15 milhões de euros. Tal acréscimo equivale a 40 000 salários mínimos, coisa com a qual parece que pouco nos incomodamos.

3)
O Decreto-Lei 507/99 concessiona a construção e exploração de uma Marina na Barra, impondo limites à construção de edificações no local.
Para o caso fez-se um Projecto. Tal projecto prevê (obviamente) a marina, um abrigo para embarcações de recreio, instalações e equipamentos de apoio, nomeadamente, dois hotéis e (ao que parece) 429 apartamentos e 130 moradias. Imagino que o imobiliário previsto (que poderá ser excessivo) se destine não apenas a qualificar o sítio, a marina e a vida que ai (e na Barra, e na Região) se fará, mas também a gerar os proveitos necessários à diminuição dos encargos públicos com a realização das obras.
Caldo entornado: se há investimento imobiliário, há especulação imobiliária; se há especulação imobiliária, há lucros indevidos (Sim porque essa coisa de especular no imobiliário é socialmente muito menos útil do que especular na bolsa, p.e.) e com isso, com os "lucros indevidos", ninguém neste país se conforma (!), como é bom de ver. Para além disso há, também, a questão dos acessos – a Ponte da Barra e o IP5 – que já não chegam p'rás encomendas. E há, ainda, uns restos de embarcações antiquíssimas que (obviamente, diz-se) vão ser destruídos. Já para não falar dos fluxos hídricos que vão ser alterados – obviamente – para pior.
Mas, apesar de tudo isto, os "gajos" não param; os "gajos" pró-Marina, claro. Que fazer? Interrogam-se, angustiados, os outros.
Eis senão quando, da cartola, sai um belo e experiente coelho. Alda Macedo, a deputada do Bloco de Esquerda (que se diz) responsável (deve ser no Partido) pelas "questões ambientais" (que é isso?) vai apresentar na Assembleia do Povo, desculpem, na Assembleia da República, um Projecto de Lei que acaba com tal "situação ambígua (?)" e "corrige um erro do passado" ("reeducar" está-lhes na massa do sangue...). Tal "expediente" visa impedir o dito "projecto imobiliário" e, obviamente, o respectivo contributo para a diminuição dos custos públicos da construção da Marina.
- Se teimam em quere-la, paguem-na vocês, os daí, e todos outros, Portugueses e Europeus (que não foram ouvidos sobre este assunto, digo eu). Assim a D. Alda e o BE, "cumprem um compromisso assumido nas últimas eleições". T'ão a ver no que dão certos compromissos: o compromisso não foi o de calcular os ditos lucros; o de verificar se eram excessivos e onde é que seriam usados, para fazer o quê; o compromisso não foi estudar os impactos positivos e negativos da operação avaliando de que modo se poderiam minimizar os segundos; o compromisso foi, meus caros, populista, mas (obviamente) inconsequente. A "reacção não passará", diz-se!

Com coisas assim, como também diz alguém que eu conheço: "cuidemo-nos para que o céu não nos caia na cabeça"

(*1), Pedro Cunha Serra, ex-Presidente do IEP, ao Diário Económico, em 8 de Junho de 2005


(Crónica publicada no JN Norte, em 15SET05)

a bolsa, ou a Estética


como Raul Martins, em Aveiro, salva uma e outra

1)
Finalmente – pela mão de Raul Martins –, a Assembleia Municipal e a Câmara de Aveiro vão patrocinar o pedido urgente de revisão da solução técnica em tempos adoptada para a ligação do caminho-de-ferro ao Porto de Aveiro, no troço entre o Olho d' Água e o Canal das Pirâmides.
Daqui se saúda o promotor e todos os demais políticos envolvidos, que agora decidiram promover as soluções de bom-senso para o caso, que há muito se impunham.

Mas afinal do que é que se trata: qual é o caso? O caso – ou a coisa – já aqui – em 15 de Setembro de 2005, sob o título "Disparates" –, se abordava como segue.
(...) "Associado à expansão do Porto (de Aveiro) e à requalificação e valorização da Rede Ferroviária Nacional, "surgiu" (!) a necessidade de até ele levar um ramal que permitisse diminuir o (...) trânsito rodoviário (no IP5) – que é muito caro, inseguro e poluente. Pensou-se em estabelecer (o dito ramal) na contiguidade do IP5, só que, entretanto, já aí tinha sido enterrada uma conduta de Esgotos da SIMRIA, o que implicava que tal "contiguidade" se fizesse 20 metros mais para poente, sobre (...) Marinhas desactivadas.
Foi o fim da macacada. (...) os "Ambientalistas" (...) sacam "...da ideia do "Viaduto Milagreiro", não sei se para salvar a "serradela" e a "cama de nidificação das arvéolas", ou se para inviabilizar a obra. O viaduto vai custar (*1) (...) cerca de 15 milhões de euros. Tal acréscimo equivale a 40 000 salários mínimos nacionais, coisa com a qual parece que pouco nos incomodamos."
[veja a Crónica completa, também, neste Blog]

2)
Imagino que – com tal hipótese de alteração no horizonte –, já alguém deverá estar a preparar uma "manif"... pela defesa dos direitos adquiridos das ditas (serradela e arvéolas) à cama e progressão automática... na vida e no resto, claro.
Só que desta, minhas caras, nem os "ultra-ambientalistas" vos salvam: foram invocadas os "graves impactos visuais" e estéticos da solução anterior, coisa que, tal como todos sobejamente sabemos, mexe muito mais connosco do que o desbaratar d'alguns milhões.

Assim sendo – neste novo quadro, mais belo porque mais edílico e mais etéreo porque mais azul, celeste –, vogaremos, rumo ao futuro – livres e crentes na salvação da estética... que nos alimenta.

3)
A sério – mesmo a sério –, penso que é óptima a proposta e também a oportunidade: a de nos unirmos em torno de alguma coisa que vale a pena. Parabéns.
Mas p.f. que ninguém ponha essa coisa do "custo das coisas" para traz das costas: se não é assim que ninguém faz lá em casa, porque é que há-de ser assim que fazem quando se trata de gerir o dinheiro que (também) é dos outros?
Há mais de vinte anos em Oxford, os Professores que tive – meus caros –, não me deixavam entregar, fosse o projecto que fosse, antes de eu lhes dizer "quanto custaria (fazer e manter) a coisa"; "onde iria buscar o dinheiro para isso" e o que é que os "pagantes e destinatários" pensavam acerca de... tudo".
Talvez me tenham "viciado", é certo, mas o facto é que, vinte anos depois, o "modo como somos" me faz continuar a inveja-los: é pena.


(Crónica publicada no JN Norte, em 30MAI07)

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Vouzela


Infelizmente, começam a ser demasiadas as vezes em que os "serviços nacionais especializados" cometem mais erros do que outros com menos responsabilidades, meios e conhecimentos nas matérias em causa. Veja-se, p.e., o que fez o Instituto Português do Património Edificado (IPPAR), na Igreja Matriz de Vouzela.

1)
Vouzela é uma Vila, linda, aconchegada em fraldas d'entre Serras (as do Caramulo e da Gralheira), ali, nas bordas dos Rios (Vouga e Zela) e (agora) também, da Auto-estrada (a A25). Vouzela é hoje um lugar onde apetece não só estar, mas, sobretudo, ficar: "ficar bem, aprendendo entre coisas com história, no meio de gentes com memória".

Memória de como era o sítio; a floresta, os matos e os campos com vinhas, hortas e gado; os caminhos, ruas e largos; as casas: as dos senhores, mas também as dos outros, que era onde viviam quase todos. Memória dos lugares: das pessoas e de onde estas se juntavam p'ra namorar ou se apartavam p'ra jogar. Memória da terra e da pedra; mais desta que abunda, que da outra que muito cansa ir fazendo. Memória, finalmente, de como era a Igreja Matriz e de como o assim ser lhe dava singularidade, grandeza e encanto.

De um modo geral, todos têm sabido cuidar de tais "memórias" e, por isso, chegaram até nós: os caminhos do rio; os solares e as casas senhoriais; a(s) ponte(s); as aldeias, os saberes e os sabores: a vitela e os pastéis, p.e. E chegaram melhorados, limpos, modernos e úteis, emoldurados em verdes viçosos e vivos pelo uso das gentes.
Assim não é, infelizmente, com a Igreja Matriz: o IPPAR adoçou-lhe o adro, reconfigurou-lhe o acesso, secou-lhe a pedra e, com tudo isso... diminuiu-a, meus caros.

2)
A maioria dos processos de requalificação de espaços públicos traduz-se na sua "abstractização" e na do seu uso. O "desenho" – quando existe –, é esquemático, minimalista e óbvio; os materiais são frios; os acabamentos secos e os cromatismos neutros; as soluções, essas são – recorrentemente –, caras e servem mal, muito mal, ou não servem de todo, o seu uso pelas pessoas.

A Igreja Matriz de Vouzela é uma construção dos séculos XII / XIII; romano-gótica – linda, meus caros. É uma construção em granito e cobertura em telha. Nas empenas o pétreo é pouco trabalhado; os vãos são, muito poucos, pouco largos mas altos, rematados por ogivas ainda curtas. Uma empena frontal solta, encimada pelo negativo de dois sinos, estabelece uma (suposta) ambiguidade que suscita a curiosidade e (obviamente) uma observação (mais) atenta. O "adro" era de terra batida e, porque sobrelevado face à via pública, a ele se acedia por degraus de cobertor largo e nobre.

Que lhe fizeram? Foram ao "adro" e pavimentaram-no de granito, tornando "igual" o que – com razão –, era diferente – aquilo onde a Igreja assentava, o acesso ao Monumento e, finalmente, aquilo de que este é feito –; resultado: banalizaram o objecto e a sua isenção na paisagem. Foram aos degraus, encurtaram-lhes o cobertor e aumentaram-lhes o número: "vulgarizaram" um processo: o de aceder ao Monumento. À volta "plantaram" verdes de relva e brancos de calhau – que não sendo dali e adoçando o que era rijo, lhe subverte o sentido. No coroamento do muro, junto à rua, montaram uma protecção metálica que, fazendo "efeito de escada" e deixando livre um acesso por sobre a relva é, nem mais nem menos do que...ridícula.
Ficou "moderno (?)" e muito, muito mais "abstracto": cumpriu-se o desígnio dum Projectista; e o nosso? E o vosso Vouzelenses?



(Crónica publicada no JN Norte, em 16MAI07)

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Abril; deste "aperto"..., aos "amanhãs que cantam"



Claro que disparates sempre se disseram e despeitados sempre houve, mas a verdade é que só quem sendo velho de memória curta, ou novo ignorante donde vem, é que pode achar que "isto não está nada bem; está é cada vez pior".


1)
A Escola João Carlos Celestino Gomes, de Ílhavo, celebrou, há dias, – para a comunidade onde se insere, e outras – os "50 anos da Assinatura do Tratado de Roma" (que deu origem ao que hoje é a Comunidade de Europeia) e vai celebrar, em breve, "O Dia da Europa" (que enaltece a bondade da existência de tal Comunidade).
2)
Os Alunos e os Professores dessa Escola, de todas as outras e de (quase) todos os graus de ensino, deslocam-se, estudam, convivem, formam-se e formam conhecimento, não apenas nos diferentes Estados dessa Comunidade, mas por vez até noutros fora dela: são (quase) cidadãos do mundo.
3)
A Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola João Afonso de Aveiro, com o apoio do respectivo Conselho Executivo, pela mão do Departamento de Matemática da Universidade de Aveiro, traz à Escola, aos Pais – e por via destes –, às famílias, estratégias e modos de suscitar o interesse e o gosto pela Matemática, contribuindo para acabar com a nossa iliteracia a tal nível.
E sabem que mais? O essencial de tal programa é, na Universidade, desenvolvido com base em estudos e experiências em tempos iniciadas no Leste e que, agora aqui, contam com o desempenho (algo) liderante de um "Professor Russo" (a quem não se exigiu que declarasse não ser "comunista").
>
4)
Arouca já não "fica onde o judas perdeu as botas"; ou melhor, se calhar continua a ficar por ai, só que soube minimizar os efeitos disso mesmo, transformando-o nalguma "vantagem".
A Serra e a Frecha; as Parideiras e Trilobites; a Arouquesa e a Várzea; a Floresta, as suas Casas e os Viveiros; as Eólicas, os Ventos e as Vistas; os Caminhos, os Povos e os Lugares; a Horticultura, a Pastorícia, a Agricultura e Outras; os Cruzeiros, os Perpeanhos, as Casas, os Solares e o Mosteiro; o Mosteiro, os Doces e o Estar, é – meus caros –, um quase... "bem-estar".
Fartar-lhe-á mais o quê? Desenvolver as ditas "Outras"? Talvez. Precisará, provavelmente, de um pouco mais de "serviços" e da optimização selectiva da "indústria", mas seguramente do que precisa é mesmo de continuar a contar com gente séria, empenhada, esclarecida e livre.
5)
O Museu de Aveiro está em Obras: vai crescer e abrir-se (mais) à comunidade; o de Ílhavo é novo e grande; há, por ai muitos outros e muito bons: o Museu do Papel, na Feira; o Museu da Pedra, em Cantanhede; a Casa Museu Egas Moniz, em Estarreja, p.e.
A Ciência chegou ao cidadão: ao adulto, ao jovem e à criança. Em Aveiro temos a Fábrica de Ciência; na Feira, o Visionário; em Espinho, o Centro Multimeios, p.e.
Bibliotecas já não só as da Gulbenkian que, em "carrinhas citroen", de lugar em lugar, levam – aos poucos que liam –, o muito de que precisavam: conhecimento, saber e... sonho: aquele que eles – os "outros" –,
não sabiam nem sonhavam, que era o que comandava a vida e que, sempre que um homem sonhava, o mundo pulava e avançava como uma bola colorida, entre as mãos de uma criança (*)

Claro que fizemos disparates e, por cento, alguns mais ainda faremos. Estamos num "aperto", e é de temer que, quem quase sempre esteve do lado do progresso, agora possa ser tentado a defender restos e sobras, desperdícios e despropósitos. Oxalá que não: no final de contas, com eles aprendemos que sempre, houve e há "amanhãs que cantam".

(*) a partir do poema de António Gedeão, popularizado pela música e voz do Manuel Freire



(Crónica publicada no JN Norte, em 02MAI07)