sexta-feira, 10 de julho de 2020

Opinião
[texto publicado no Diário de Aveiro no dia 17JUN20]


O QUE ESTOU A APRENDER COM A PANDEMIA



PLATAFORMAcidades no Diário de Aveiro

Pompílio Souto (*)

Arquiteto; Urban Designer; ex-Docente Universitário




Ver-se-á, espero eu, que estou a tratar este assunto com pinças. Compreender-se-á também que procure ser moderado e, finalmente, espero ser capaz de contribuir para que todos possamos aprender alguma coisa com o que nos caiu em cima, estamos a viver, e urge vencermos.


1)
Estamos hoje numa fase diferente da pandemia. O alarme e o medo persistem, mas serão agora sentidos de modo menos dramático, enquanto que os danos, esses, são agora percebidos e vividos de modo mais racional.

. É que o alarme e o medo advêm do desconhecido que, neste caso, nos deram a perceber como catalítico – coisa que, por assim ser, nos estarrece e imobiliza.
. Ao invés, os danos são objetiváveis: a falta de um teto; o desemprego e a fome; a frustrante perda da recuperação recentemente conseguida, e a evidência de que só juntos – e de bem com a natureza –, nos podemos salvar, tudo isso está aí e é vivido entre nós.

2)
É indispensável e urgente que reparemos o inadiável dos danos, mas focados na estratégia de construção de futuro ainda melhor, conscientes de que a diversidade ideológica é um bem que a democracia parlamentar operacionaliza em soluções que as comunidades aprofundam.
E isso já se conhecia e já se tinha visto noutros países e cidades, mas também por cá. Não são, no entanto, coisas para as quais estejamos muito bem preparados e, sobretudo organizados.

3)
Seria bom e útil, ainda assim, não deixar de olhar, não tanto para o que aconteceu, mas sobretudo para o que se passou e para o que se fez e se deixou de fazer. É que tudo foi, e nalguns casos ainda está a ser, demasiado importante para que disso nada resulte – como aprendizagens e lições, p.e.

. Do medo nunca saíram soluções, pessoas e contextos bondosos: – Essa é uma lição da história e uma experiência que vivemos durante mais de quarenta anos.
. De cenários catalíticos emergem sempre oportunidades e oportunistas supostamente salvíficos que, depois de desmontada a cena e encerrado o espetáculo, se mudam para outra deixando-nos às voltas com o lixo que fizeram e deixaram para trás.

Mas também soubemos unir-nos e ser generosos e inventivos. Como quase sempre – e já aqui eu e outros com mais propriedade o disseram – de modo algo individualista, pouco organizado e nada centrado na resolução da génese dos problemas.
Mas "fez-se" – o que é bom – e pode ser que desta vez algumas dessas "coisas feitas" persistam e se apeguem ao que é estrategicamente indispensável resolver: desigualdades; individualismos; espaventos; ligações ao ambiente e à bondade e êxito da vida democrática e participada.

4)
Não gostei do momento e do modo como algumas autoridades locais se calaram ou gritaram.
Tenho apreço pessoal pelo Eng.º José Ribau Esteves e tenho razões para crer que nisso serei correspondido. Começo a temer, no entanto, que haja quem pense que critico a Câmara Municipal, ou por que sim ou por pior do que isso. Mas olhem que não: – Sou respeitador de quem democraticamente foi eleito para me representar e só quero contribuir para o bem comum.
Os contributos "para-revolucionários" e "político-partidários" que dei, e que muito me honram, já não se justificam nem tenho interesse em os retomar.

5)
Com o devido respeito duvido de que todos com quem o Presidente da Câmara diz ter "articulado" o seu "grito de revolva" de 4 de maio, supostamente para [resolver] "as questões de falta de equipamentos no Hospital e no ACsS" se revejam nisso e no seu conteúdo.
. É que então assim também fariam, Margarida França (Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Baixo Vouga (CHBV), Frederico Cerveira (Diretor Clinico do CHBV), Artur Silva (vice-Reitor da Universidade de Aveiro, Pedro Almeida (Diretor do ACsS) e Dulce Seabra (Delegada de Saúde), o que me parece desconforme com outras afirmações públicas também feitas, com o normal funcionamento de cadeias de responsabilidade e comando instituídas e, para além de tudo isso, com o que o bom senso aconselharia.

Não vejo, aliás, como é que a desautorização pública e a promoção da desconfiança nas entidades e instituições do estado responsáveis pelo combate à pandemia, bem como o alarme social, poderiam ser vistos como oportunos, fosse por quem fosse, e muito especialmente por todos aqueles cidadãos e entidades.

6)
Também não percebo o agradecimento do Presidente da Câmara aos "profissionais da comunicação social porque permitiram passarmos de um dia negro, como foi o de ontem (…) para um dia positivo em que finalmente o camião chegou e em que voltamos a fazer testes nos lares".
. Terá sido mesmo assim?
. A Comunicação Social foi usada para isso? E aceitou fazê-lo, ou será que o fez considerando-se ela própria capaz de definir o que seriam os "superiores interesses da saúde pública, da cidade e do país"?
. E o Governo da República: é assim que se pensa que governe? É em função de coisas dessas que supõe que decida para onde vão as zaragatoas e os testes?

Duvido.
E mais – estou até absolutamente seguro – de que o próprio Presidente da Câmara Municipal de Aveiro repudiaria qualquer tipo de "pressão" desta natureza na governação para que foi eleito: a Autárquica – coisa que me parece manifesta e notória.

7)
Aprendi que todos temos de ser mais modestos. Aprendi que temos de ser mais comunidade, vivendo mais com o próximo e com os outros. Aprendi que não valorizámos – todos e suficientemente –, a importância do estado e do estado-social.

Reforcei a convicção da indispensabilidade de relações menos conflituosas e mais amigáveis, em processos colaborativos mais esclarecidos de construção mais sustentada do bem-público.


Texto da responsabilidade de (*) Pompílio Souto, Coordenador da PLATAFORMAcidades; grupo de reflexão cívica | NOTA: Veja outros textos desta série no Blogue Plataforma Cidades || Contacte-nos: plataformacidades.op@gmail.com 

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