Opinião
[texto publicado no Diário de Aveiro no dia 08jul20]
As Bibliotecas [2]
PLATAFORMAcidades no Diário de Aveiro
Pompílio Souto (*)
Arquiteto; Urban Designer; ex-Docente Universitário
Em texto anterior
referi-me a algumas renovadas Bibliotecas em Aveiro, sublinhando a bondade
geral do que nos é disponibilizado, mas sugerindo a otimização do desempenho de
uma delas e questionando a razoabilidade urbanística da outra. Hoje aprofundo o
que então escrevi.
o que otimizar
1.
É positivo que, no
caso das Bibliotecas montadas em Carrinhas, se regresse ao modelo criado pela
Fundação Calouste Gulbenkian em 1958 e se retomem os seus objetivos: "promover o gosto pela leitura e o nível
cultural dos cidadãos, garantindo o livre acesso às estantes, o empréstimo
domiciliário das publicações e a
gratuitidade do serviço". (*1)
Só
que a realidade é substancialmente diferente hoje, e muito mudou também nesta
área específica.
. Mudaram, quer o conceito de
Biblioteca, quer o que aí se disponibiliza e promove, quer ainda os suportes e
modos como isso acontece. Tudo para servir mais destinatários, também mais
educados e mais cultos, e que agora, livremente exigem mais e melhor para as
suas vidas.
Os
propósitos enunciados pela Câmara respondem ao essencial destras mudanças.
Temo, no entanto, que a prevista oferta de serviços administrativos nas
Carrinhas, banalize o referente cultural
e cívico que já foram e, temo, sobretudo, que se perca esta oportunidade
para criar "a rede & os nós" de operacionalização necessários ao
pleno sucesso da operação.
2.
Tal como em muitas
outras coisas o que já temos não é pouco: – É muito! Está é isolado – menorizando-se
ensimesmado ou consumindo-nos em redundâncias.
Precisamos
da "rede & nós", de que nos fala CASTELLS (*2), que integre,
articule e expanda o conjunto de entidades e iniciativas deste "Universo –
Biblioteca", de que nos fala Borges e Eco (*3). E precisamos, também, de "dinamizadores"
(entidades e profissionais) que felizmente temos e que nos levarão a todos, e à
coisa, bem mais longe.
. Não podemos é deixar nem as mesas, as
estantes e os armários, nem os átrios, as salas e os salões, nem mesmo os
quiosques e jardins, sem o Livro mas com o Nada ou a Tralha que o desacreditam,
e a tudo e todos diminuem.
. Sendo certo que a Câmara pode, a
partir do que fez, fazer mais, a verdade é que se a relação da Universidade com
a cidade e com os cidadãos pudesse ser mais próxima – agora nisto (e depois em
muito mais) – todos ganhariam com isso.
Ganhariam,
desde logo os cidadãos e as suas organizações de base, quer as recreativas,
culturais ou desportivas, quer as profissionais, cooperativas ou cívicas, onde
habitualmente essa relação não acontece, mas ganharia também a academia,
quantas vezes distante destes contextos que também haveria de integrar.
o que questiono
1.
O modo, objeto e
âmbito da Recuperação do Edifício Fernando Távora (na Praça da República), para
nele reinstalar a Biblioteca Municipal e outros serviços, é, do meu ponto de
vista, um erro grave, ao que acresce a perda de uma boa oportunidade, quer para
concluir o que de bom o Projeto de Conjunto prevê, quer para otimizar ou
reverter o que o Plano, do qual ele faz parte, estabelece.
2.
O que se fez foi
tentar "repor" a "verdade arquitetónica" da bela peça de arquitetura que o Edifício
Fernando Távora é, retirando-lhe apenas os painéis de vidro dum piso térreo que
o projeto inicial não previa.
. Mas este edifício é parte de um
conjunto que persiste incoerente. Continua a faltar-lhe um outro previsto para
junto do da ex-CGD.
. Este conjunto de edifícios, mais o do
BPI (a nascente) e a Esplanada (ao centro) sobre o "embasamento" onde
temos o Café Ria, são a "fachada nascente" do Canal Central, no Plano
de Távora para o Centro da Cidade de Aveiro (1962-67).
Planta do Projeto de Conjunto de F. Távora
Praça República | Conjunto Edificado | Esplanada (*4)
FALTA O EDIFÍCIO À ESQUERDA _ JUNTO À C G D
3.
O Plano de Távora
para o Centro da Cidade é mau. Assenta em pressupostos teóricos
insuficientemente interiorizados; assume objetivos algo perversos e modos de
intervenção, nalguns casos, devastadores.
"O Plano de Távora para Aveiro (…) insere-se
neste ambiente de reflexão (…) próprio dos planos
experimentais em Portugal, durante a década de 60. Tal Plano "tem como objetivo modernizar (…) um dos espaços centrais da cidade (…) e criar-lhe uma nova identidade" (*4), resume-se em investigação
dedicada, indiretamente confirmando o que acima se diz.
Mas,
a verdade é que muito do que temos hoje no Centro é parte disso e há aspetos do
Plano que mereceriam reapreciação cuidada, nalguns casos até para serem de
facto executados ou tidos como referente nisso.
4.
Fernando Távora é uma
referência e mestre da arquitetura e do seu ensino em Portugal. Mas o pior que
podíamos fazer-lhe era, branquear erros de início de carreira, omitir a
humildada das aprendizagens em exercício que fez e – sobretudo – piorar-lhe o
que projetou, construindo-o "à la carte".
. Obviamente que nada disso retira
bondade à reinstalação da Biblioteca, à atualização do respetivo conceito, e à
criação de condições para que algumas das demais valências agora ali possam
acontecer.
[eu integraria a coisa numa outra
"iniciática & projeto", mas disso falaremos mais tarde]
5.
O que verdadeiramente
importa, agora, é que nem temos o conjunto edificado que Távora projetou, nem
temos a Praça da República de que precisávamos – interiorizada, definida e
"desventada", nem uma Esplanada sobre o Canal Central realmente utilizável
e encimando um embasamento & plano fachada (o do Café Ria), limpo, consistente
e unificador do conjunto edificado.
Maquetes do Projeto de Conjunto de Távora
Praça República | Conjunto Edificado | Esplanada (*4)
Era importante que
algo fosse feito para resolver tudo isto.
O Távora e a Cidade mereciam a
coragem, a sabedoria e o investimento necessários.
(*1),
(*2),
(*3),
(*4),
Furtado, citado por Carlos Mendes (in
DisMes-FA)
Texto
da responsabilidade de (*) Pompílio Souto, Coordenador da PLATAFORMAcidades;
grupo de reflexão cívica || NOTA: Veja outros textos desta série no Blogue Plataforma Cidades ||
Contacte-nos: plataformacidades.op@gmail.com
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