quarta-feira, 23 de maio de 2007

Vouzela


Infelizmente, começam a ser demasiadas as vezes em que os "serviços nacionais especializados" cometem mais erros do que outros com menos responsabilidades, meios e conhecimentos nas matérias em causa. Veja-se, p.e., o que fez o Instituto Português do Património Edificado (IPPAR), na Igreja Matriz de Vouzela.

1)
Vouzela é uma Vila, linda, aconchegada em fraldas d'entre Serras (as do Caramulo e da Gralheira), ali, nas bordas dos Rios (Vouga e Zela) e (agora) também, da Auto-estrada (a A25). Vouzela é hoje um lugar onde apetece não só estar, mas, sobretudo, ficar: "ficar bem, aprendendo entre coisas com história, no meio de gentes com memória".

Memória de como era o sítio; a floresta, os matos e os campos com vinhas, hortas e gado; os caminhos, ruas e largos; as casas: as dos senhores, mas também as dos outros, que era onde viviam quase todos. Memória dos lugares: das pessoas e de onde estas se juntavam p'ra namorar ou se apartavam p'ra jogar. Memória da terra e da pedra; mais desta que abunda, que da outra que muito cansa ir fazendo. Memória, finalmente, de como era a Igreja Matriz e de como o assim ser lhe dava singularidade, grandeza e encanto.

De um modo geral, todos têm sabido cuidar de tais "memórias" e, por isso, chegaram até nós: os caminhos do rio; os solares e as casas senhoriais; a(s) ponte(s); as aldeias, os saberes e os sabores: a vitela e os pastéis, p.e. E chegaram melhorados, limpos, modernos e úteis, emoldurados em verdes viçosos e vivos pelo uso das gentes.
Assim não é, infelizmente, com a Igreja Matriz: o IPPAR adoçou-lhe o adro, reconfigurou-lhe o acesso, secou-lhe a pedra e, com tudo isso... diminuiu-a, meus caros.

2)
A maioria dos processos de requalificação de espaços públicos traduz-se na sua "abstractização" e na do seu uso. O "desenho" – quando existe –, é esquemático, minimalista e óbvio; os materiais são frios; os acabamentos secos e os cromatismos neutros; as soluções, essas são – recorrentemente –, caras e servem mal, muito mal, ou não servem de todo, o seu uso pelas pessoas.

A Igreja Matriz de Vouzela é uma construção dos séculos XII / XIII; romano-gótica – linda, meus caros. É uma construção em granito e cobertura em telha. Nas empenas o pétreo é pouco trabalhado; os vãos são, muito poucos, pouco largos mas altos, rematados por ogivas ainda curtas. Uma empena frontal solta, encimada pelo negativo de dois sinos, estabelece uma (suposta) ambiguidade que suscita a curiosidade e (obviamente) uma observação (mais) atenta. O "adro" era de terra batida e, porque sobrelevado face à via pública, a ele se acedia por degraus de cobertor largo e nobre.

Que lhe fizeram? Foram ao "adro" e pavimentaram-no de granito, tornando "igual" o que – com razão –, era diferente – aquilo onde a Igreja assentava, o acesso ao Monumento e, finalmente, aquilo de que este é feito –; resultado: banalizaram o objecto e a sua isenção na paisagem. Foram aos degraus, encurtaram-lhes o cobertor e aumentaram-lhes o número: "vulgarizaram" um processo: o de aceder ao Monumento. À volta "plantaram" verdes de relva e brancos de calhau – que não sendo dali e adoçando o que era rijo, lhe subverte o sentido. No coroamento do muro, junto à rua, montaram uma protecção metálica que, fazendo "efeito de escada" e deixando livre um acesso por sobre a relva é, nem mais nem menos do que...ridícula.
Ficou "moderno (?)" e muito, muito mais "abstracto": cumpriu-se o desígnio dum Projectista; e o nosso? E o vosso Vouzelenses?



(Crónica publicada no JN Norte, em 16MAI07)

1 comentário:

marlene disse...

Concordo plenamente com a opinião aqui expressa. Parece que o granito e a impermiabilização dos espaços é hoje grande moda...basta ver o que fizeram à Av. dos Aliados no Porto...